COMPORTAMENTO

Especial dia dos pais: O que significa ser um homem de verdade

É uma questão que está na cabeça dos homens, que vem rodeando as mesas dos bares, as esquinas da internet e até as salas de universidades. E essa é mais uma tentativa de, se não dar uma resposta definitiva, ao menos explorar esse oceano: afinal, o que significa ser um homem de verdade nos dias de hoje?

O simples fato de que estamos discutindo isso é prova de que a masculinidade anda em transformação. O estereótipo do “homem macho” tradicional ocupa lugares desconfortáveis na sociedade de hoje: somos presença garantida nas vergonhosas brigas de torcida e na maioria dos acidentes de trânsito. Somos 96.3% da população carcerária, temos dez vezes mais chances de sofrermos uma morte violenta do que as mulheres, e 95% dos homicídios no mundo caem na nossa conta. A competitividade, a agressividade e o bloqueio emocional do macho podem ter sido muito úteis em tempos de guerra e de sobrevivência, mas trazem suas consequências no mundo civilizado.

Claro, são cada vez mais raros os trogloditas insensíveis por aí, principalmente na faixa da população com mais escolaridade. Aprendemos que empatia, comunicação e humildade não são coisas ruins. Só que o oposto desse troglodita – o homem que chora, que se cuida, que prefere novela a futebol – tampouco tem muita identificação com o público masculino.

A maioria de nós fica em algum ponto no meio do caminho: aprendemos que as coisas não se resolvem na porrada, que é preciso respeitar e valorizar as mulheres, e que não tem nada de errado em conversar quando se sente aquele “troço dentro do peito”; só que também gostamos de cerveja e esportes, de competir amigavelmente, de trabalhar e se sentir útil. Há uma satisfação pessoal difícil de explicar quando colocamos um prego na parede, lidamos com uma barata na cozinha, quando levantamos mais peso na academia ou usamos uma ferramenta elétrica. De algum modo, isso nos faz sentir homens. E será que isso é ruim?

Também queremos nos sentir orgulhosos de nossa identidade masculina, estar satisfeitos consigo mesmos, sem ter que escolher entre ser afeminados ou machistas. Parece não ser fácil encontrar esse equilíbrio.

Um olhar para as outras gerações

Essa é a tal da crise do macho. Mas o que aconteceu para as coisas chegarem a esse ponto?

O mundo de nossos avôs e bisavôs era mais simples. Ser homem era trabalhar duro, não deixar faltar comida na mesa, gostar de futebol, conversar de coisas sérias, fumar cigarros, beber álcool, falar grosso, usar gravata. Homem não podia usar roupa colorida, não tocava na vassoura, não carregava filho no colo. Eram outros tempos, em que o homem era um totem de seriedade e disciplina (pelo menos na aparência). Todos sabiam seus lugares no mundo e a linha entre certo e errado era bem clara. O homem era o capitão do navio, o que fazia as regras.

O mundo de nossos pais já viu algumas mudanças: os anos 60 e 70, as primeiras ondas do feminismo, a revolução sexual e a popularização dos métodos contraceptivos, as indústrias, o metrô, a internet. Mas a essência da família continuava fundamentalmente a mesma: cabia ao homem o dever sagrado de trabalhar 40 horas por semana para dar o sustento à família. E se ele passava o dia inteiro no batente e voltava cansado para casa, que pelo menos ela esteja limpa, as crianças de banho tomado e o jantar feito – pela mulher, é claro. O papel de provedor era duro, claro, mas o assumíamos com orgulho.

Como em todas as sociedades do mundo, os papéis sociais eram reforçados e naturalizados pelo senso comum: as coisas eram assim porque o homem tinha nos genes a dominância, competitividade, e ímpeto necessários para os cargos mais bem pagos e para a participação política. A emotividade, a comunicação, a empatia eram coisas das mulheres. Desde Júlio César e Gengis Khan, todos os grandes líderes da história eram homens, certo? E desde a idade da pedra, era o homem que saía para caçar e as mulheres ficavam dentro da caverna, não é?

Bem, felizmente o mundo mudou. As mulheres são presença cada vez maior nas universidades e no mercado de trabalho (ainda que na política e nos altos escalões das empresas ainda haja muito o que melhorar), e isso é muito bom para nós, homens também. Os papéis sociais estão menos presos ao gênero e cada um pode ser e trabalhar no que quiser. Só que essa liberdade deixou as coisas complicadas. Com as mudanças sociais, os antigos estereótipos (positivos e negativos) dos sexos ficaram mais nebulosos. As mulheres mostraram que elas, também, podem ser líderes e sustentar uma família, do mesmo jeito – e muitas vezes, ao mesmo tempo – que podem ser mães e cuidar da casa. Parece apenas natural que os homens migrariam da posição de simples provedores para um papel mais abrangente na organização familiar.

Esse é o desafio do homem moderno. O antigo machão de peito peludo e jaqueta de couro é um clichê, na melhor das hipóteses, “engraçadinho”, quando não digno de riso. A ideia do pai de família que passa a vida dentro do escritório, escravo do trabalho, dá calafrios na espinha de toda uma geração. As características típicas masculinas, como racionalidade, ambição, responsabilidade, são cada vez mais consideradas universais do ser humano. O que é que nos faz homens, então? Que característica é única do universo masculino, que nos distingue das mulheres e das crianças, que é imprescindível para o ideal de homem que almejamos nos tornar?

A paternidade.

A redenção do homem: a figura do bom pai

Convenhamos, poucas coisas causaram tanto sofrimento na história do mundo do que a figura do mau pai. A falta de referência paterna é assunto recorrente nos consultórios dos psicólogos e aumenta o fator de risco de jovens cometerem crimes. Adolf Hitler tinha um pai terrível, que marcou sua trajetória; em biografias de serial killers, não é rara a figura do pai ausente ou violento. Todos temos conhecidos com histórias do pai ausente, do pai bêbado, do mentiroso, do tirano; e todos sabemos como esses personagens marcam a vida de uma criança.

E creio que todos os pais lendo este texto se lembram exatamente do momento em que descobriram que iam ter um filho pela primeira vez. E – passada a surpresa, claro – do avassalador senso de dever que domina o peito, a nuca, e cada poro do corpo. O juramento, secreto e silencioso, que fazemos a nós mesmos: não, eu não vou vacilar com isso. Eu sou um homem de verdade. Eu serei um bom pai.

É olha só, é preciso ser muito macho para ser um bom pai. Primeiro, é preciso nobreza e a resignação do guerreiro para abrir mão do tempo livre, do sono e de certos confortos para criar um filho (as mães sabem disso como ninguém). É preciso coragem e determinação para organizar suas prioridades, exigir a licença paternidade e dizer não ao chefe quando ele chega com mais trabalho, ou não aos colegas quando eles convidam para o happy hour. Um bom pai precisa de todas aquelas características tipicamente masculinas, que aprendemos a valorizar: a responsabilidade, a força, o sacrifício, a coragem. E uma dose igual ou maior daquilo que consideramos especialidades femininas: carinho, sensibilidade, paciência, empatia. Qualquer bom pai precisa do pacote completo. Ainda bem que vivemos em um tempo em que podemos ter essas qualidades sem medo de perder nossa reputação como homens. Obrigado, evolução.

Esse fenômeno é relativamente novo na história. Claro, pais participativos sempre existiram e sempre existirão. Mas hoje, temos parâmetros de sucesso pessoal que focam mais na qualidade de vida que na renda mensal, que somados a um mercado de trabalho mais igualitário, estimulam o surgimento de homens que colocam a família acima da carreira. Nós homens dedicamos o triplo de horas semanais para criar nossos filhos que nossos avós, de acordo com essa pesquisa americana (texto em inglês).

Essa visão mais integral da paternidade, em que o pai não mais “ajuda” a mãe na criação dos filhos, mas compartilha com ela todas as responsabilidades, é algo da nossa geração. Nós trocamos fraldas sem sentir que somos especiais por isso; levantamos junto com as mães de madrugada quando o bebê acorda chorando; treinamos o nosso autocontrole ao nível de monges tibetanos para não explodir quando as crianças aprontam; vamos nas reuniões de pais na escola e ajudamos na lição de casa.

E outros homens reconhecem o valor disso. Nós admiramos nossos amigos pais. Reconhecemos a grandeza e o esforço envolvidos. De alguma forma, a imagem de um pai ensinando algo a seu filho representa um ideal de masculinidade muito maior do que alguém no topo de um pódio, ou no topo da carreira.

E isso é muito bom – para as mães, para nossos filhos, e para nós mesmos.

A Paternidade Ativa

Ok. O mundo masculino e o papel social do homem estão se transformando. Podemos hoje ser mais sensíveis e empáticos, e não somos mais os únicos que trazem a pão para dentro de casa. Sabemos o impacto negativo que descuidar da criação dos filhos pode ter, e sabemos que tempo para a família e para nós mesmos vale tanto – ou mais – quanto tempo no escritório. E no final do dia, queremos ser bons pais. Mas como?

Tem muita gente por aí que entendeu a importância do tema e assumiu a missão. Thiago Queiroz é pai de Dante e Gael, e mantém o site Paizinho, Vírgula!, sobre paternidade ativa, criação com apego e disciplina positiva. Entre postagens como “12 alternativas para o castigo” ou “Amor demais estraga os filhos?”, a página mostra que todos os pais – inclusive o próprio autor – têm muito a aprender em relação a paternidade.

Sobre a pergunta do começo deste artigo, ele comenta, em texto para o site Cientista que Virou Mãe: “tudo isso que eu faço hoje não coloca minha masculinidade em cheque, só reforça o fato de que tem que ser muito macho para se garantir e dizer que ama seu filho e sua esposa. Não é qualquer homem que assume isso e coloca a família em prioridade. Eu me sinto muito homem, principalmente quando visto o meu filho na minha famosa kepina de sapos e saio por aí, com a minha esposa do lado. Ou quando eu mesmo dou conta do meu filho quando ele chora.”

Instituições do Chile que trabalham a infância, em parceria com a Unicef, montaram uma cartilha sobre Paternidade Ativa para ajudar os pais nessa tarefa. O texto em espanhol trata da importância de compartilhar as responsabilidades da criação com a mãe e de garantir espaços na vida profissional para ter tempo para os filhos. Uma publicação do tipo seria muito bem-vinda aqui no Brasil.

O site Catraquinha reúne muita informação sobre educação e paternidade. A página Paternidade Ativa, também. Há comunidades de Facebook e grupos de pais na maioria das cidades. Tem muita informação por aí para quem quer assumir o papel de paizão.

 Bom pai = Homem de verdade = Ser humano íntegro

“Eu pretendo me tornar um homem de verdade. E se tiver sucesso nisso, terei sucesso em todas as coisas da vida” – James A. Garfield

Essa frase é de um ex-presidente americano, em um livro do século 19 sobre educação e moral. Ser “um bom homem”, o que quer que isso signifique, tem sido um dos principais objetivos na vida da maioria de nós, por gerações. É um longo e nobre caminho, e me parece que a paternidade é parte fundamental da jornada. Não que homens sem filhos não possam ser bons; para mim, a paternidade é um estado de espírito, é uma forma de agir no mundo, mais do que ter seus genes espalhados por aí.

No final, creio que fazer o máximo para ser um bom pai – ou um bom guardião – diz muito sobre o que damos valor como seres humanos. Sobre o que acreditamos que seja nossa missão na terra e, indo mais longe, sobre o próprio sentido da vida. A paternidade ensina muitas coisas; uma delas é o que é ser um homem de verdade.

Só é preciso estar aberto para ouvir o chamado. E ser homem o suficiente para respondê-lo.

Felipe Fontes é jornalista, escreve para o blog da FMW e é pai de Zoé, com um aninho de idade. Aprendeu com a paternidade que a vida é simples e bonita, e que ser homem de verdade é lavar fraldas de cocô com um sorriso no coração.